Digame quem és e te direi sobre quem não és

Guilherme Moraes da Silva
5 min readJun 6, 2023

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Assisti a uma palestra na firma que me incomodou a ponto de me fazer vir aqui contar um pouco e refletir em público

O tema envolvia superar limites e gerenciar crises no trabalho. Achei isso tudo meio estranho mas achei poderia ser interessante ouvir o que estão falando aos quatro ventos (principalmente na minha firma)

A palestrante (fui checar) trabalhou por 28 anos em grandes corporações. Desde então está trabalhando como Coach e Palestrante. Olhei com bastante carinho no linkedin e percebi que ela perdeu o emprego em 2015 e desde então caiu nesta viagem lisérgica de “incentivar pessoas a serem melhores” (seja lá o que isso quer dizer).

Afundando

Já comecei a ouvir com algumas ressalvas.

Mas segui na audiência. Vai que teria algo bom a aprender, né…

Os problemas se agravaram quando ela começou a não aceitar a existência de dificuldades estruturais que impedem “as pessoas de serem felizes” (palavras da dita cuja).

Afundando mais e mais

Olha, tem algumas coisas que simplesmente são e a isso nós chamamos de questões ontológicas.

Não tem como achar felicidade em um meio absolutamente doente e tóxico; da mesma forma não tem como olhar para esse ambiente e dizer que são “desafios a serem superados” (a dita cuja é uma máquina de frases diganas de Rolando Léro).

Quase todos os problemas profissionais, segunda a cocoach, podem ser driblados por uma mente afinada com soluções criativas. Assuntos dificeis, ambiente difíceis, chefes difíceis… tudo é questão de se adaptar e colocar a mente alinhada com seu objetivo de finalidade.

Segundo a grandiosa cocoach: “é preciso fazer agir de acordo com o que pensamos e somos”. Não sei vocês, mas me deu um baita asco quando ouvi isso e lembrei de várias questões abusivas de trabalho e de vida que passei.

Lembrei das formas como lidei com os abusos e me recordei que uma das chaves principais foi quando aprendi que é melhor fingir que está tudo bem para que as chefias não tenham moeda de troca e achem que eu não sou contra tudo de ruim que acontece.

O ódio, ao menos para mim, tem de ser estratégico. Se eu agisse de acordo com o que eu penso, iria ser extremamente violento contra muita gente ao meu redor e certamente seria tido por revoltado ou revolucionário. Daria certo? Não. Tenho de pagar contas e tenho de zelar pela minha saúde mental (e integridade física).

Só sendo muito alheia ao mundo da comunidade negra para acreditar que temos de agir de acordo como que pensamos e somos. O exemplo da cocoach era lastimável demais para não ser exposto: “eu penso e faço na minha vida o mesmo que penso e faço quando estou em sala de aula ou nos palcos. Não é possível viver uma vida diferente no ambiente profisisonal e pessoal”.

O engulo subiu forte e até comecei a salivar… era o silêncio que precede o gorfo.

Lembrei das histórias que minha diarista conta a cada quinzena que vem para minha casa. Reservo um tempo para conversar com ela e tomarmos um café.

Ela me lembra muito minha avó (igualmente diarista) e por isso faço questão de dar a melhor condição de trabalho em troca de um afeto e um sorriso que são entregues junto com o trablho dela. Olha, as histórias que me chegam são de intenso ódio em relação a muitas situações de humilhações. Daí pensei que esse ódio de dentro poderia estar alinhado com as ações do mundo exterior… voilá, ela não teria nenhum emprego.

Só sendo muito branca e de classe alta para não entender que a população negra tem de saber a hora de falar, tem de saber com quem falar e tem de saber o que falar.

Talvez ela nunca entenda as conversas que fluem quando os cabelos são trançados.

Tem tranças que são fortes demais e se prendem em histórias que só vão ser entendidas por quem está na raiz de histórias que não precisam ser ditas.

https://www.geledes.org.br/palavras-de-avo-quando-uma-mulher-estiver-triste-o-melhor-a-fazer-e-trancar-o-seu-cabelo/

A cocoach seguiu em diversos ensinamentos que já não merecem ser partilhados aqui… o meu engulho ficou forte demais.

Resolvi me poupar (e te poupar) das genéricas ideias sobre “procurar o que há de bom em tudo e aprender a aceitar o que pode ser mudado”… resolvi olhar mais sobre quem era a moça pálida.

Bingo! Cartela cheia!

O google trouxe informações sobre uma família consolidada no interior de São Paulo. Pai médio empresário envolvido no ambiente de negócios entre poder público e privado. Mãe médica de família aristocrática (daquelas com casarões na angélica no início do século XX). Marido lobista, ops, digo, articulador de negócios institucionais de empresas transnacionais…

Não, não dá para aceitar toda essa positividade namastê quântica.

Minha firma está envolta de uma aritocracia que concede felicidade e muuuuuitos privilégios para uns (os nobres) e intensa tristeza com muuuuuuuuitas obrigações para todos os outros (a plebe).

Não, não vou ficar só reclamando da cocoach.

Aliás, ela foi muito importante por estes minutos que doei atenção para o ego dela… aliás, não alisei só o ego da moça e até justifiquei o dinheiro que a firma vai pagar por esta sessão quântica namastê vespertina sobre respiração profunda e positividade.

Viva a ditadura do felicidade ou morte!

Namastê ou foda-se.

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